quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Velho e o Mar

Hoje faz 58 anos que "0 velho e o mar" de Ernest Hemingway foi publicado, por isso deixo-vos aqui um trecho de tão bela obra:

-- Que arranjaste? -- perguntou.
-- Ceia -- respondeu o rapaz. -- Vamos ter ceia.
-- Não tenho grande fome.
-- Anda comer. Não se pode pescar sem comer.
-- Eu tenho pescado -- disse o velho, levantando-se,
pegando no jornal e dobrando-o. Começou depois a dobrar o
cobertor.
-- Deixa-te ficar de cobertor -- recomendou o rapaz. --
Não hás-de pescar sem comer, enquanto eu for vivo.
-- Pois então trata de viver muito tempo -- disse o velho.
-- Que vamos comer?
-- Feijão e arroz, banana frita, e carne.
O rapaz trouxera tudo do Terraço, numa marmita dupla, de
metal. As facas, os garfos e as colheres vinham na
algibeira, o talher para cada um embrulhado num guardanapo
de papel.
-- Quem te deu isto?
-- Martin. O dono.
-- Tenho de lhe agradecer.
Eu já agradeci -- disse
o rapaz. -- Não precisas de agradecer.
-- Hei-de dar-lhe a carne fina de um peixe graúdo. Já fez
isto por nós mais que uma vez?
-- Acho que sim.
-- Então tenho de lhe dar mais ainda. Pensa muito em nós.
-- E mandou duas cervejas.
-- Gosto mais de cerveja de lata.
-- Bem sei. Mas esta é Hatuey, de garrafa, e levo outra
vez as garrafas.
-- Muito obrigado -- disse o velho. -- Se comêssemos?
-- Tenho estado a pedir-te -- respondeu o rapaz,
delicadamente. -- Não queria abrir a marmita, enquanto não
estivesses pronto.
Já estou pronto. Só precisava de tempo para me lavar.
Onde te lavaste?, pensou o rapaz. O chafariz da aldeia era
duas ruas abaixo. Tenho de ter aqui água para ele, e sabão e
uma boa toalha. Porque sou tão distraído? Tenho de lhe
arranjar outra camisa e um casaco para o Inverno e uns
sapatos e outro cobertor.
-- A tua carne é excelente -- disse o velho.
-- Conta-me do "baseball" - pediu o rapaz.
-- Na Liga Americana são os Yankees, como eu disse --
declarou o velho com satisfação.
-- Hoje, perderam -- observou o rapaz.
-- Isso nada significa. O grande DiMaggio é sempre o
mesmo.
-- Têm outros homens no grupo.
-- É claro. Mas a diferença está nele. No outro
campeonato, entre Brooklyn e Filadélfia, escolho Brooklyn.
Mas então penso em Dick Sisler e nos outros.
-- Nunca houve ninguém como eles. O Dick apanha a bola
mais comprida que jamais vi.
-- Lembras-te de quando ele costumava vir ao Terraço? Eu
queria levá-lo comigo à pesca, mas tinha tanta vergonha de
lhe pedir... Depois pedi-te que lhe pedisses, e tu também
tiveste vergonha.
-- Bem sei. E foi uma grande tolice. Podia ter ido com a
gente. E teríamos tido isso para a vida inteira.
-- Gostava de levar o grande DiMaggio à pesca -- disse o
velho. -- Dizem que o pai dele era pescador. Talvez tenha
sido pobre como nós e percebesse.
-- O pai do grande Sisler nunca foi pobre e jogava, com a
minha idade, nos grandes campeonatos.
-- Quando eu era da tua idade, ia de marujo num navio rumo
à África e vi leões nas praias ao anoitecer.
-- Bem sei. Já me contaste.
-- Falamos de África ou de "baseball"?
-- "Baseball", acho eu -- respondeu o rapaz. -- Conta-me
do grande John J. McGraw.
-- Em tempos idos, também costumava aparecer pelo Terraço.
Mas era bruto, duro de falas e tinha mau vinho. E trazia a
cabeça tão cheia de cavalos como de "baseball". Andava
sempre com listas de cavalos na algibeira e muitas vezes
dizia nomes de cavalos ao telefone.
-- Era um grande chefe -- disse o rapaz. -- Meu pai acha
que ele era o maior.
-- Porque vinha cá muito -- respondeu o velho. -- Se
Durocher tivesse continuado a vir para cá todos os anos, o
teu pai acharia que era ele o maior.
-- E quem é de verdade o maior, o Luque ou o Mike
Gonzalez?
-- Acho que são iguais.
-- E o melhor pescador és tu.
-- Não. Sei de outros melhores.
-- *Qué va* -- disse o rapaz. -- Há muitos pescadores bons
e alguns dos grandes. Mas tu és só tu.
-- Obrigado, alegras-me muito. Espero que não apareça por
aí um peixe tão grande que nos desminta a ambos.
-- Não há tal peixe, se ainda és tão forte como dizes.
-- Posso não ser tão forte como julgo -- disse o velho. --
Mas sei muitas manhas e tenho força de vontade.
-- Devias ir para a cama, para estares bem disposto pela
manhã. Eu levo as coisas ao Terraço.
-- Então, boa noite. Pela manhã, acordo-te.
-- És o meu despertador -- disse o rapaz.
-- E a idade é o meu -- disse o velho. -- Porque acordam
tão cedo os velhos? É para terem mais comprido o dia?
-- Não sei. O que eu sei é que os rapazes pequenos ferram
no sono até tarde.
-- Bem me lembro -- concordou o velho. -- Eu acordo-te a
tempo.
-- Não gosto que ele me acorde. É como se eu fosse um
inferior.
-- Eu sei.
-- Dorme bem, velhote.


Baixe o livro na íntegra aqui.

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